UMBANDA E FOLIA DE REIS no processo de construção de "Ô de Casa? Ô de Fora! ou a história do homem que pediu uma Folia a Pombagira Cigana"
Fotos: Celso Palermo
A Umbanda está constantemente
compreendida em um campo relacional com o Candomblé. São cultos
afro-brasileiros centrados na possessão, nos quais o contato entre homens e
Orixás ou Entidades é intermediado pelo corpo do iniciado em transe. Nesses cultos o sagrado se faz presente
“entre corpos” em um tête-à-tête
direto entre homem e sagrado. O Candomblé tem sua performance ritual fechada em
si e fazendo referência a um mundo distante, africano – o Orixá veio da África
e quando mais a possessão por um orixá
se aproximar de um modelo “originário” - africano, mais potente será sua
ação entre os homens. Já a Umbanda tem sua possessão caracterizada pela
continuidade com o contexto da realidade brasileira, evocando cenas do
cotidiano em diálogos entre consulentes e Entidades – Pretos Velhos, Caboclos,
Pomba Giras e Exús – que atingem alto grau de confiança e intimidade que
permitem ao consulente expressar seus desejos mais profundos e compartilhar
suas tormentas mais secretas.
A Folia de Reis é uma manifestação
cíclica, que acontece na época do Natal, compondo o calendário anual do
catolicismo popular brasileiro. Trata-se de uma “gira” representando a jornada
dos três Reis Magos em busca do menino Jesus. Os Reis mascarados e sua corte
percorrem fazenda a fazenda -na roça, ou casa a casa - nas cidades. Ternos de
Folia se apresentam em uma pluralidade de formações tocando, cantando, dançando
e fazendo desafios em louvor aos Santo Reis!
Em
“Ô de casa? Ô de fora!”, a Umbanda e
a Folia de Reis são parte do contexto
cultural do personagem central da peça: brasileiro que transita entre os
afazeres do seu cotidiano e o passado que se faz presente na memória de
situações da casa da família e para fora dela, recorrendo à Pomba Gira Cigana
para obter o que, a princípio, parecia impossível: a Folia.
A
Umbanda além de fazer parte da gênese da personagem central, sua linguagem
influencia a peça estruturalmente. A dinâmica de incorporação e desincorporação
característica da chegada e partida de uma entidade no corpo do filho de santo,
é recriada no espetáculo, demarcando a troca de personagens que se desdobram do
personagem central na condução da ação
narrativa.
A
Folia de Reis trás a vida pessoal do autor, amalgamando com afeto o binômio
vida/arte que demarca a pesquisa aqui empreendida. Na Folia está o lugar da
reunião mítica do autor com seus antepassados ancestrais e próximos – a mais
velha de todas, o avô, a mãe, que se dá em intensa relação com a celebração e a
condução ritual dos ciclos da vida em profunda interface com o sagrado.
Na
realização da escritura cênica de “Ô de casa? Ô de fora!”, quando todas as
referências de pesquisa devem ser sobrepostas pelo objetivo de formar uma obra
cênica, essas manifestações são tomadas como elementos da cultura brasileira e
adquirem o status de “Material”. Esses
“Materiais” são friccionados no território conceitual e experimental da
“encruzilhada” - espaço relacional primordial do novo, do erro, da mistura, da
mestiçagem e da liminaridade. Dessa fricção extraímos uma dramaturgia
ficcional, comprometida com a percepção estética e com o jogo cênico, limitada
a um ponto de vista dentre a multiplicidade de possibilidades que tais
materiais certamente suscitam.
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