Do que falam as pedras, corpo escangalhado ou o que há no meio do caminho
Do que falam as pedras,
Corpo escangalhado
ou O que há no meio do caminho?
21 de setembro de 2024, antecipação da mudança de estação, véspera de primavera.
Eu e Getúlio Góis nos reunimos numa sala de ensaio na Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia, a ESEBA-UFU para concretizar um primeiro ensaio prático depois de uma conversa inicial e articulação de parceria criativa. O desejo de criar juntos já perambula desde muito tempo. Nestes momentos me coloco como criador e atuador em busca de nova festa performativa sob o olhar atencioso, generoso do artista deste colega de profissão e cúmplice de trabalho na educação básica.
Reuni aquilo que tinha.
Saia branca oriunda ainda de um projeto de graduação em dança desenvolvido especialmente entre os anos de 2009-2010. Denominado Primeiras notas autobiográficas, o trabalho partiu de uma provocação de um tema/título A via crucis do corpo ou a renúncia de um corpo vazio. Este momento era um trasbordamento de um processo de formação em dança que tensionava o que podia um corpo sem-terra naquele espaço. Muitos foram os atravessamentos; aulas de técnicas diversas, processos de criação, experiências em improvisação, diálogos acadêmicos e outras travessias de pesquisa, imersão em campos diversos de investigação, pesquisa em vivências com grupos de Folias de Reis, com o quilombo urbano Jongo Dito Ribeiro e diversas outras manifestações artísticas na cidade de Campinas.
Reuni pedras de fundo de córrego coletadas ao longo de uma década em diálogos espiralados com muitos familiares, especialmente o avô. Estes materiais que contam histórias geológicas de tantas eras, mas que atravessam as sensíveis histórias pessoais. São tantas pedras, pedregulhos e pedrinhas que as histórias a serem contadas emaranham-se numa infinitude dramatúrgica.
Reuni pedaços de raízes esculpidas pelo tempo e que ancoram histórias assentadas em terra, no tempo livre e aberto trazendo uma gramática sensível permite o corpo acessar o campo vasto da terra e os caminhos que o forjam.
Diante de tudo isso e daquilo que o corpo carrega em sua memória constituída em movimento nos colocamos em ensaio, dando margem ao que pudesse acontecer com a manipulação e experimentação de tais elementos pensados performaticamente. Entranhado com a ebulição de elementos pessoais buscamos o confronto com outras leituras.
Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus;
Torto Arado, e Itamar Vieira Junior;
Beco da Memória, de Conceição Evaristo;
A hora da estrela, de Clarisse Lispector;
E um diálogo ainda tímido com O Lugar de Origem, de Krenak e Youssef e Pertencimento, de bell hooks.
Desse primeiro exercício o corpo evoca diversas corporeidades ancoradas em outras travessias performativas e cavouca outros espaços de pertencimento e interação com o mundo. Há um desejo festivo e performativo e(m) profusão de movimento. A imagem primordial da instauração desse processo é:
ESGANGALHO - confusão, ruína. Aquilo que forjam nossos corpos na diáspora violenta sobre quem somos nós. Deslocamentos, rupturas, cerceamentos, interrupções, estupros, escoriações, assassinatos e... silenciamentos... esquecimentos.
Os encontros ecoaram na bibliografia me diálogo. Há histórias familiares e situações de classes que permeiam um imaginário onírico do Brasil que somos, mas que penetra a pele terrivelmente e deixa marcas violenta sobre os corpos que vivenciam histórias de dissidências, de apartamentos, de falta e, diante de tudo isso, de luta... luta pela vida ou luta pela terra. Aqui também lutamos performaticamente para que essas histórias dancem e/ou teatralizem em outros territórios e possam existir em outros territórios imaginais.
Deixo os registros desse dia capturados por Getúlio Góis e, diante dessa abertura processual, também agradecer todas as falanges criativas que me deram acesso para estar aqui hoje e ancoram meu modo de fazer: Tiago Bassani, Helô Cardoso, Marcelo Rodrigues, Diane Ichimaru, João Arruda, Sayô Pereira, Grácia Navarro e Rosana Baptistella.
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